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domingo, 3 de novembro de 2024

O coração morre quando crescemos?

Criei o RexAurum em algum momento no início dos anos 2000, provavelmente quando eu tinha em torno de 12 ou 13 anos de idade. No auge dos blogs pessoais e, mais do que isso, em muitos sentidos, no auge da minha inocência e entusiasmo com a vida. A experiência de ler as publicações em ordem cronológica torna evidente uma tendência muito definida de 1) amadurecimento pessoal e profissional; e 2) amadurecimento afetivo/emocional.

Nada mais natural, uma vez que estamos falando de cerca de 20 anos de vida. Mas há ainda a percepção de evolução de um terceiro aspecto: melancolia, desesperança e cinismo. Será que é natural que o coração se endureça e se torne menos vivaz e esperançoso com o acúmulo de experiências? É sobre isso que gostaria de escrever de forma mais leve hoje.

Para guiar tais reflexões, gostaria de considerar uma canção que descobri recentemente e que se conecta muito bem com o tema dessa publicação:

"When You Grow Up, Your Hearts Dies
De GUNSHIP

Antes de qualquer coisa, recomendo ouvir a música. É uma bela canção, com muitas frases que nos fazem pensar sobre o valor da vida. Utilizarei algumas dessas frases ao longo do texto.

O coração tende a virar uma rocha rígida e sem vida com o tempo?

Curiosamente, há algum tempo, pela ocasião de uma conversa sobre tipos de rochas, eu estava revisitando em minha memória as aulas de geologia que tive no primeiro ano da graduação e isso vem muito a calhar agora. Por favor, me acompanhe um pouco enquanto percorremos esse campo da geologia - prometo que vai fazer sentido no final! 

Basicamente, podemos dividir as rochas em três tipos principais: i. Ígneas; ii. Sedimentares; iii. Metamórficas. 

Rochas ígneas e a perda da inocência

Rochas ígneas são formadas pela exposição do magma à atmosfera na superfície da crosta terrestre (ou em regiões de baixa temperatura da crosta terrestre). Em eventos como erupções vulcânicas, o magma que estava contido nas camadas mais internas do planeta aflora e entra em contato direto ou indireto com a temperatura da superfície. Enquanto o magma, confinado no mais interior dos mundos, contém em si um calor natural, ao ser expelido para o exterior rapidamente encontra um ambiente completamente diferente, com uma temperatura muito inferior, e com maior nível de entropia. Isso resulta em uma rápida troca de calor, e dado que o mundo exterior é imensamente maior que aquela porção de magma, esse processo resulta no resfriamento do magma. 
Com menos energia agitando as moléculas do magma, ocorre a solidificação do material, culminando na formação da chamada rocha ígnea. Pode-se pensar que essa rocha perdeu seu valor vital, mas não se engane. Uma coisa que nem todos sabem é que erupções vulcânicas são um dos principais responsáveis pela liberação de minerais essenciais para manutenção da vida na superfície - o processo de formação de solo (pedogênese) em regiões assim resulta em solos extremamente férteis! 
Outra questão interessante é que, a depender das características do magma (especialmente a composição química), da temperatura exterior e da forma como ocorre o resfriamento do magma, uma série de diferentes tipos de rochas, em termos de composição e morfologia, pode ser formado. Assim, apesar de superficialmente parecer uma rocha endurecida e sem vida, a essência das rochas ígneas pode revelar ainda muitas surpresas em uma riqueza de padrões, formas e cores quando vistas com mais cuidado.


Exemplo de rocha ígnea intrusiva: granito 

Apesar de estarmos falando de geologia, é fácil relacionar o processo de formação das rochas com o amadurecimento e transformações que passamos ao longo da vida. Inicialmente, nossos corações são livres e cheios de energia e inocência. 

"Expect nothing and appreciate everything"

Quando entramos em contato com o exterior, digamos quando passamos a frequentar núcleos externos à segurança do núcleo familiar, há um choque de valores. O mundo absorve aquela energia vital primordial de um coração ingênuo e gera o seu primeiro grande processo de amadurecimento e enrijecimento: a perda da inocência. O choque de valores pode ser brutal ou ocorrer de forma gradual, mas sempre gera um delta de entropia elevado. Ainda assim, a essência daquele coração infante segue presente, agora sob uma camada mais rígida formada para proteção na interação com o mundo. Já parou para pensar como o primeiro ambiente que você teve contato fora de sua família teve impacto em sua vida? 

"Whatever will be, will be"

Rochas sedimentares e o amadurecimento

Voltando para geologia, após um longo processo de intemperismo físico e químico, as rochas serão fragmentadas em pequenas partículas. Com o tempo, essas partículas minerais são carreadas pelas águas, agora como sedimentos - o que nos leva à formação das rochas sedimentares.

As rochas sedimentares são formadas na base de bacias hidrográficas, a partir do carregamento de partículas sólidas ao longo do curso de rios até um reservatório final. Nesse reservatório, essas partículas vão se acumulando formando extensas e profundas camadas. Quanto mais profunda é a camada, maior o acúmulo de partículas sobre a primeira porção que foi formada inicialmente. Esse processo cumulativo pode levar milênios até que o peso, e portanto a pressão, é demasiado a ponto de começar a compactar as partículas a ponto de se tornarem um material agregado único e muito rígido. A esse material damos o nome de rocha sedimentar. Após uma série de processos que não vem ao caso detalhar aqui, esse material pode voltar a ser exposto à superfície, revelando sua nova condição de rocha. 

Interessante ainda pensar que, apesar desse material representar a uma nova condição, a avaliação cuidadosa de perfis de rochas sedimentares revela diversas caracteristicas específicas dos sedimentos originais e suas condições ambientais em uma dimensão temporal:


Exemplo de rocha sedimentar com seu perfil temporal nitidamente exposto em camadas

Voltando o olhar para o coração, com o tempo a vida vai acontecendo e vamos criando novas memórias, fragmentos de experiências, pequenas partículas que representam momentos da nossa vida. Podemos ter experiências boas que enriquecem nosso interior, mas também experiências traumáticas que geram grandes feridas. O acúmulo de cada pequeno fragmento, especialmente os traumáticos que causam maior sensação de pesar - produtos da reação entre nossos sentimentos e o mundo - gera uma nova condição emocional. É interessante pensar que um agregado de experiências únicas e variadas, quando concentradas e submetidas a uma pressão imensa decorrente do seu próprio acúmulo e peso geram um novo material, menos livre, mais rígido e autocontido. Assim, os sentimentos já não se encontram tão expostos, estando agora abaixo de uma camada de proteção mais densa e rígida em nossos corações. Todos temos experiências marcantes que nunca esqueceremos, elas certamente estão marcadas como camadas bem definidas no perfil temporal de nossos corações sedimentares. Você conseguiria identificar suas camadas?

"Just keep on keeping on"

Rochas metamórficas e o peso da vida

Agora vamos para a última etapa desse "ciclo geológico das rochas": formação das rochas metamórficas. Imagine que aquela rocha sedimentar jamais chegou a ser exposta à superfície e o processo de acúmulo de sentimentos seguiu-se indefinidamente. A pressão decorrente do acúmulo de milhões de sedimentos depositados ao longo de milênios acima daquela primeira camada inicial é tão alta que uma nova condição é formada. Nessa nova condição, a combinação de pressão e temperatura é tão intensa, que a rocha sedimentar apresenta uma mudança em sua estrutura mineral e cristalina, e, literalmente, transforma-se em algo novo: uma rocha metamórfica. Aquele magma que um dia foi condensado em rocha ignea e então fragmentado em pequenas partículas, a partir do processo de intemperismo físico-químico, que serviu como mineral base para o estabelecimento de vida, que um dia percorreu uma entusiasmante jornada ao de um rio cheio de meandros, até, finalmente, repousar em um local mais seguro, mais estável, sofre tanta pressão pelo acúmulo, mas tanta pressão, que já deixou sua essência original de lado e se tornou algo mais firme, pesado e resistente, indivisível por natureza.


Mármore, exemplo de rocha metamórfica formado a partir do calcário (uma rocha sedimentar)

O mesmo ocorre conosco. O acúmulo de incontáveis experiências e interações, felizes, empolgantes, motivadoras, tristes, traumáticas, desesperançosas, é tão grande que o coração precisa se recondicionar para não sucumbir com o peso emocional acumulado e seguir funcional.

"It's okay to feel lost"

Esse recondicionamento é muito particular de cada um e depende muito dos tipos de experiências acumuladas na vida. Além do mais, é uma metamorfose contínua, pois nunca alcançamos um estado final. É um processo fortemente influenciado pelas experiências passadas e, na prática, nunca existe um estado inicial bem delimitado ou estado futuro definitivo, existe apenas o estado em que se está.

"The only time that matters is right now"

E é assim que partimos de um coração aberto e livre, cheio de expectativas, para um coração muitas vezes cheio de fel, desesperança, culpa e arrependimentos, moldado pela pressão causada pelas decisões que tomamos ao longo da vida. Isso é inexorávelmente parte vida. Então será que estamos condenados, mais cedo ou mais tarde, ao resfriamento total do coração? 

O que sobra ao coração?

O texto poderia ser bem deprimente se acabasse aqui, mas só decidi escrever sobre esse tema porque, na realidade, venho refletindo sobre isso sob um ponto de vista mais positivo. Voltando à geologia, apesar de todos os processos que transformaram aqueles minerais primordiais, ainda podemos encontrar beleza em seu interior. Depois de tudo, sabendo onde olhar, pode-se encontrar uma nova forma de beleza nesse material formado em um processo tão violento, talvez até mesmo uma beleza mais refinada.

 O mesmo vale para o coração: apesar de endurecido, aquela essência inicial, bela e vivaz ainda existe em um coração amadurecido, mesmo que se apresente agora de uma forma diferente. O que eu, pessoalmente, percebi é que muitas vezes é apenas uma questão de mudar a forma de olhar ou de focar onde realmente importa para encontrar esse brilho tão importante para nossa vida. O mesmo dia, a mesma porção de experiências, pode ser percebida e sentida com empolgação ou com desesperança, dependendo do seu ponto de vista. Viver não é fácil. Ao viver sempre em estado de defesa, ressaltam-se e intensificam-se mais as camadas rígidas e sem vida do coração, e perde-se de vista sua parte mais delicada e frágil. O mundo parece naturalmente nos levar por esse caminho. Não é difícil desanimar quando seu dia já começa com problemas e dificuldades; pode parecer que essa condição desmotivante é perene e representa a essência da vida, ou ao menos da sua vida em particular.

No entanto, no final do dia, momentos ruins são apenas uma parcela da infinidade de experiências que o mundo nos oferece. Cada dia ruim precede um amanhã cheio de novas possibilidades; nunca sabemos o que nos espera no futuro. É como olhar para as rochas sedimentares e entender que cada camada formada, com uma cor, composição e intensidade diferente, é o produto de um acúmulo de um tipo particular de sedimento apenas (ou de experiências) e não representa a totalidade daquela rocha. Esses mesmos padrões se combinarão posteriormente para se transformarem em um novo material metamórfico. Há até uma beleza associada a diversidade de padrões em uma rocha assim.

"It's just a bad day, not a bad life"

Dada a impossibilidade de prever tudo o que está por vir, não criar expectativas irreais e ser grato por tudo o que vier é uma boa forma de lidar com a vida. Como eu já disse em uma publicação há muitos anos, a felicidade não é o destino final, mas o caminho. Obviamente, não é fácil viver, mas tudo que vale a pena na vida é difícil e, no final do dia, cabe apenas a nós decidirmos como vamos encarar a nossa vida. Isso pode não funcionar para todos (cada um é tão complexo e único!), mas, nesse sentido, é melhor temer o arrependimento mais do que ter receio de falhar e sofrer: machucados vão criar uma casca grossa em nosso coração para nos proteger, mas é apenas uma casca que não desvanece o brilho de nossa essência. Assim como é preciso trabalhar duro para encontrar os belos minerais no coração das minas, encontrar a beleza da vida, no interior de nossos corações, é uma escolha ativa e diária, mas que vale a pena!

"Life is worth the risk"

Daily Post

I finally have a very well-defined routine in the lab. I have a day set aside for preparing the feed, other days for analysis, and dedicated time for reading and writing. This routine definitely makes me feel more at ease. In many ways, my life could be described as a bit chaotic (just look at the posts on this blog, lol), but when it comes to the lab and science in general, I really need organization to function. By the way, in a few days, it will be one month since I got a Remarkable 2. It’s a game-changing device for people like me who love to sketch things in notebooks. I've been using it intensively to organize my tasks, brainstorm new ideas, and even take notes on experiments. Incredibly useful! I will leave a photo bellow!
That said, I'm sad to report that, after 20 days of operation, my reactors aren’t performing exactly as I’d hoped. 🥲 I have some clues about what might be happening, and I may make a few changes in the coming days. Let’s see.
In any case, I’m still really happy about the opportunities at Columbia University—it really makes a difference to be here with more experience and maturity as a postdoc. I have a clearer understanding of what I’m seeking and what I can find here to help me reach my goals as a scientist.
Making notes on a paper using Remarkable 2 device 


Post scriptum

Escrevendo ao som de "Tudo se transforma" de Jorge Dextler e pensando como a carreira acadêmica parece ser particularmente propícia a apagar a chama do coração pelo peso dos sentimentos e experiências infelizes. Quando se fala de pressão, tende-se a pensar em forças externas sendo exercidas sobre nosso interior. No entanto, na carreira acadêmica é muito comum que essa pressão seja gerada também internamente. É fácil perceber que o fel crescente nas publicações do RexAurum estão correlacionadas não apenas ao amadurecimento mas também á progressão na carreira acadêmica. Mas essa é uma conversa para outro dia..
Essa foi uma semana puxada no laboratório. E pra completar o pacote, eu comecei um treino de Boxe no Fitness Boxing 2, meus braços estão tão doloridos que estava difícil de usar as micropipetas no lab xD Estou me sentindo um pouco sobrecarregado também, especialmente porque tenho tarefas não finalizadas das atividades no Brasil - se eu conseguisse estantaneamente converter todos os dados que tenho em artigos, minha produção acadêmica no mínimo triplicaria. Mas, como disse, nada de criar expectativas irreais. Vou fazendo o que é possível com o máximo de dedicação. Essa semana tive uma reunião com uma ex-colega da Columbia por conta de uma palestra que vou dar na Universidade dela. Hoje ela é Professora no Boston College e foi muito legal conversar com ela sobre isso. Além disso, essa semana fui com minha esposa assistir ao tradicional desfile de Halloween de Nova Iorque. A cidade muda completamente na noite de Halloween, eu não lembrava disso haha Foi divertidíssimo - vou deixar uma foto aqui pra ilustrar. E assim vamos mantendo o bom humor :)


Durante o desfile de halloween em NYC