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terça-feira, 6 de maio de 2025

Sentimentos fluidos e ambíguos

Como pode o coração ser tão forte e tão delicado ao mesmo tempo? Forte, por sua capacidade sem igual de carregar sentimentos tão genuínos, tão profundos e tão intensos. Delicado, por se estilhaçar em mil pedaços pelo simples descompasso desses sentimentos quando fora de sincronia.

O coração que tem por ofício, função primordial, formar conexões. Conexões que, ambiguamente, fortalecem a fundação cordial ao mesmo tempo que criam diversos pontos de fragilidade.

O núcleo primordial da humanidade. O sentido da vida. Sentimentos fluidos e ambíguos, que nos fazem sentir vivos. Que nos fazem sentir vivos apesar da dor. Em função da dor. 

Quando ferido profundamente, demanda tanto tempo para cicatrizar. Cicatrizes que ficam expostas, para quem tem sensibilidade suficiente para perceber, durante toda uma vida. 

Às vezes o coração é grande demais. Maior do que o mundo. Mais complexo que o mundo. Mas ainda assim singelo. Sentir, conectar, sentir. Nada mais que isso. 

Demanda carinho, demanda cuidado. Atenção e bondade. Quer amar - ou ser amado? Não sei. É fácil perdê-lo e se perder em sua sincronia caótica de batidas. 

Amor? Um dia conheceu, em sua mais pura e intensa forma. Alegria? Não cabia no peito, extravasou. Carinho? Aquele que vem do âmago e que é ternamente recebido. Dor? Mais que tudo, a maior de todas, não dá nem pra respirar! Tristeza? Por não caber no peito, abriu espaço e criou refúgio nas camadas mais internas. Solidão? Quando as bases desmoronam. Medo? Construído em meio ás ruínas do coração - como uma nova fundação, de temor.

Continuamente se reconstruindo, não de forma linear, de forma imprevisível. Mas não sem sentido! Aos poucos alcança a paz. A paz que vem do entendimento tranquilo, frio. Ilumina as bases, antes sequestradas pelo medo. Se reencontra com a razão, mas vai além, no caminho da esperança. Não na esperança vã, mas em uma esperança elegantemente desenhada, projetada pela compreensão, levantada sobre as bases do amor, próprio e pelo mundo, iluminada pela razão, fortificada por uma série de laços, em um emaranhado de nós que se se desenrolam, conectam e, as vezes, se desfazem ao longo do caminho, e adornada lindamente pelas memórias, de dor, tristeza, carinho e alegria.

Os mistérios do coração, nunca desvendados, que nos moldam tanto, mas tanto, que nos fazem acreditar em todos os tipos de possibilidades, até mesmo aquelas que racionalmente negávamos com todas as nossas forças. E que nos fazem sofrer infinitamente quando nos convence que a única realidade possível, inexorável, é o vazio. 

Assim é, incompreensível à primeira vista, fluido e ambíguo. Etéreo, essencial em todos os aspectos, mesmo nos mais contraditórios.

Tão forte e tão delicado!

Tão forte. E tão delicado. 

Forte... E delicado...

Até o fim.


Daily post

I have been feeling a certain peacefulness that I haven't felt in a long time — in years, I would say. It’s very hard to put into words everything I've been feeling recently. So many emotions combined! Just for some context, I have less than three months left to finish my activities at Columbia University, and I’ve just started an extension application process. It may or may not be approved; the only certainty is that the answer will come at the last minute. Despite the chaotic moment, or perhaps because of it, a few insights about how life has been unfolding emerged as a kind of recalibration of priorities. This mechanism has been helping me rethink the weight I give to everything around me. Sometimes, a problem or difficulty that seems impossible to deal with is just disguised, covered by a layer of frustrations, disappointments, fear, and anxiety that have built up over the years. Once that heavy emotional blanket is removed, it becomes clear that the issue doesn't hold that much power to hurt or frighten you anymore. And that’s how I’ve been moving forward, trying to see things from a different perspective, with a more gentle referential when it comes to myself. All of this also made me reflect on how, so often, things we don’t know how to deal with get stored deep within us. Over time, and almost without realizing it, we start subconsciously processing and restructuring them. When that combines with more life experience, emotional maturity, and a willingness to shift perspective, they slowly transform into something lighter. And just like that, the world takes on a new shape — more kind, less intimidating, more exciting!


Post scriptum

Retomando levemente o assunto que mencionei no último post scriptum - os males da carreira acadêmica - repensar as prioridades e ressignificar questões que me afligem também significou olhar de uma forma um pouco diferente para a forma como a academia me afeta. Não vou aprofundar aqui (ainda acho que vale escrever um texto só sobre isso), mas, apesar de ser um processo contínuo e eu ainda estar no meio disso tudo, tentando me localizar melhor, essa reorientação geral serviu para ter um referencial mais leve ao olhar ao redor. Ao fazer isso, percebi ainda mais como muitos colegas acadêmicos não estão bem. Não é um ou outro caso, eu me arriscaria inclusive a dizer que todos com quem tenho um convívio mais próximo estão adoecendo aos poucos em função da sua atividade acadêmica profissional. Ansiedade, medo, frustração, baixa autoestima..
 
Eu já estive muito pior. Um dos momentos mais importantes foi logo antes de terminar o mestrado. Naquela época, decidido a iniciar o doutorado apesar das dificuldades do mestrado, concluí duas coisas: 1) precisava encontrar um ritmo que fosse minimamente saudável para viver os próximos 4/5 anos de doutorado; 2) precisava repensar a noção de valor próprio para que a mó da academia não me reduzisse a poeira. Sem entrar em detalhes, me apaixonei pelo meu tema de pesquisa, encontrei um ritmo  dinâmico de trabalho que combinava meu interesse  na pesquisa com o descanso físico e mental, conciliando com o interesse em outras áreas da vida. Foi quando comecei a andar de patins, inclusive. Mas, talvez o mais importante, foi que entendi que o principal referencial para medir minha evolução não era o colega ao lado, mas eu mesmo. O que eu aprendi hj? O que fiz de novo? Que habilidade desenvolvi? Se foi menos que o colega ao lado, ok. Ainda vivemos em um cenário de competição onde o número relativo de publicações e citações são colocados sobre a mesa o tempo todo, obviamente, mas, no final do dia, em uma perspectiva mais ampla sobre a vida, isso definitivamente não é o mais importante. As experiências vividas, o aprendizado, as conexões afetivas, e a marca que você deixa no mundo é o que realmente importa e isso vai muito além do que está descrito no seu lattes. Pra finalizar, deixo uma foto do meu novo patins - percebi o quanto eu sentia falta de patinar depois de ter me mudado para NY - não é uma coincidência. Nunca é. 

Meu novo par de patins, adorei eles!