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segunda-feira, 15 de janeiro de 2018

Minha experiência com um incêndio em Nova Iorque!

08 de Janeiro de 2018 - Washington Heights -  norte de Manhattan. Alguns dias depois da tempestade que levou a cidade de Nova Iorque a registrar recordes de temperaturas negativas.

Pouco antes das 14 horas. Uma senhora decide usar sua tostadeira. Não se sabe ao certo como, mas devido a um mau funcionamento ocorre uma pane elétrica iniciando um incêndio na cozinha do apartamento, localizado no segundo andar de um dos prédios mais antigos da região. O fogo rapidamente se espalha pelo apartamento e, em seguida, começa avançar para os andares superiores, causando grande comoção.

Inicio do trabalho dos bombeiros
O corpo de bombeiros é acionado e prontamente chega ao local. No entanto, já era demasiado tarde. O fogo encontrava-se fora de controle, avançando andar a andar. Tudo o que restava era uma tentativa de minimizar os danos. Após poucas horas o incêndio alcança o sexto e último andar do edifício. Lá, ele começa a consumir o telhado, que é composto em grande parte por borracha - material altamente inflamável.

Nos semblantes dos moradores há um misto de sentimentos: Tristeza e desespero pela perda dos bens que levaram toda a vida para obter. Ansiedade e esperança na busca por informações sobre o estado de seu apartamento. Medo do dia seguinte...

Telhado em chamas, poucas horas após o início do incêndio
Eu estava trabalhando no laboratório, mais precisamente, analisando padrões em um medidor de íon seletivo, para obtenção de uma curva de calibração de nitrogênio amoniacal, quando, as 14:30, recebo uma ligação. Era a cunhada do dono do apartamento em que eu morava.

Embora ela estivesse tentando manter seu tom de voz calmo, a ansiedade era nítida: 
"Vitor, fique calmo, mas preciso te dar uma notícia. Nosso apartamento está pegando fogo. Tem vários caminhões de bombeiro aqui. Não estão me deixando entrar no prédio. Você precisa vir aqui." Ou foi o melhor que eu consegui entender do espanhol dominicano dela, que ficava mais rápido e desesperado a cada palavra.

Faltavam três padrões (de um total de 14) para serem analisados. A notícia foi sendo digerida aos poucos. Analisei o padrão 12 sem qualquer alteração. Durante a medida do padrão 13, o coordenador do grupo de pesquisa entra no laboratório olha pra mim e diz: "Vitor, reunião as 15:00 na minha sala, ok?". Minha resposta? "Ok, professor". O resultado do padrão 13 ficou um pouco fora da curva. Durante o último padrão recebo a ligação do próprio dono do apartamento dizendo para eu ir encontrar com ele no apartamento em chamas o quanto antes. O padrão 14 ficou fora da curva.

Após me desculpar e desmarcar a reunião com o professor, fui correndo, já desesperado, para o apartamento. Nunca vi tantos caminhões de bombeiro reunidos em um mesmo lugar - pela contagem que fiz por alto na hora, havia pelo menos 11 caminhões.


Vídeo gravado pelo dono do apartamento que eu morava

Tudo que eu conseguia pensar era (1) o que eu vou fazer agora? (2) e se eu tiver perdido minhas coisas no apartamento, o que eu vou fazer? (3) eu estou completamente sozinho nessa cidade, nesse país; (4) preciso ir pro laboratório amanhã.

Vou te poupar dos detalhes. No final tive muita sorte, meu quarto não teve danos e a família com que eu morava foi muito legal comigo, me abrigou com eles em um hotel nas duas primeiras noites e me ajudou a encontrar um novo quarto para alugar, com conhecidos. Vou sentir falta deles.

Tive muita sorte, o fogo não causou danos ao meu quarto

Foi uma experiência bem intensa e que me fez aprender muitas coisas. Inclusive a entender melhor a mim mesmo. 

Essa situação me fez perceber três coisas: 
A primeira: como eu estou sozinho e vulnerável aqui. Eu não tinha para quem pedir ajuda. No dia em que finalmente me mudei para um apartamento novo e a adrenalina abaixou, todo o estresse e solidão desses três meses caíram sobre mim como uma tonelada. Uma das poucas coisas que eu andava fazendo para me manter bem nos dias mais solitários - desenhar - não era possível, pois todo o meu material estava no prédio interditado. Pela primeira vez, desde que estou morando aqui, fiquei resfriado de verdade. Foi difícil.

A segunda: eu consegui lidar com isso. Não foi fácil, não foi sem consequências, não foi sem ajuda, mas eu consegui. No final das contas, me ausentei do laboratório apenas por um dia e meio. Quando voltei, tive que compensar as horas perdidas, mesmo com o cansaço acumulado - na semana anterior eu já estava com trabalho acumulado por conta da nevasca que ocorreu e dificultou o acesso à universidade. Mas deu tudo certo e o estudo, que é o motivo de eu estar aqui, não teve prejuízos.

A terceira: há pessoas boas que se importam de verdade comigo. Apesar de a família, minha namorada e meus amigos estarem tão distantes, e, então, pragmaticamente falando, impedidos de me ajudar, saber que eles estavam preocupados e torcendo por mim, fez com que eu me mantivesse mais positivo. Mas admito que quando minha mãe chorou no telefone, completamente preocupada e triste por não conseguir me ajudar, dizendo pra eu voltar para casa, foi tenso. 

Me surpreendi também com o apoio e carinho dos colegas de laboatório, que me ofereceram lugar temporário para ficar, me ajudaram a procurar apartamentos e sempre perguntavam, todos os dias, se eu estava bem ou precisando de algo. 

A família dominicana também foi muito carinhosa. A Arélis, mulher do dono do apartamento, me disse no dia do incêndio: "Não se preocupe, vai ficar tudo bem, não vamos te abandonar. Vamos te ajudar. Você faz parte da nossa família, é meu filho postiço." Ela foi comigo em um dos apartamentos, negociou e conseguiu um preço ótimo. :)

Admito que esperei em vão pelo carinho de algumas pessoas, mas isso só me faz valorizar mais quem me ama.

Bom, ainda falta mais um pouquinho pra terminar de resolver essa situação toda. Tive que adiar a partida de dois dos meus reatores. A maior parte das minhas roupas, entre outras coisas, ainda está no meu quarto antigo (que não sofreu danos e só ficou molhado) - espero poder recuperar amanhã. Ainda estou me habituando à casa e à família nova, mas pelo menos o apartamento fica mais próximo à universidade (posso ir caminhando tranquilamente em dias menos frios :D).

É, vou ter umas histórias para contar quando voltar para casa. 

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Post Scriptum

Tive que comprar umas roupas emergenciais até conseguir recuperar as minhas. O padrão de tamanho das roupas americanas são um pouco diferentes do Brasil:

Eu usava ums roupas assim quando era adolescente xD

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